Boas interações são mais importantes para a alma, o espírito e o corpo do que imaginamos, mas a exagerada virtualização das relações e o estresse têm isolado cada vez mais as pessoas
O brasileiro tem fama de muito sociável e de que vive um eterno “oba-oba”, mas a verdade não é bem assim. Segundo uma pesquisa da rede Locomotiva sobre o tema, cerca de 25% dos brasileiros sentem solidão, mesmo os que têm muitos “amigos” nas redes sociais. O estudo mostra que as interações presenciais produzem mais felicidade e possibilitam a construção de redes de relacionamento maiores do que as virtuais, que, por sua vez, não são tão satisfatórias ou duradouras. A pesquisa foi feita com pessoas de 18 a 77 anos e com grande diversidade sociodemográfica. A pergunta é: o que torna um em cada quatro brasileiros tão solitário?
O estudo cita, entre outros fatores, a dificuldade de confiar nas pessoas por causa da crescente onda de criminalidade e a grosseria reinante, o que afasta mais e mais as pessoas, além da forte polarização política e da excessiva virtualização de tudo – redes sociais e jogos oferecem interação ilusória e muitas vezes só geram mais “panelinhas” virtuais. Cerca de 43% dos entrevistados disseram que sentem desconforto ao lidar com desconhecidos por todos esses aspetos citados e outros mais.
Risco de depressão
John Cacioppo, psicólogo da Universidade de Chicago (UC), mostrou em um estudo recente que a solidão pode gerar depressão – e que, mesmo que a pessoa deixe de ser solitária, os sintomas depressivos podem durar cerca de dois anos. A boa notícia é que as consequências das interações presenciais saudáveis também têm essa duração mesmo depois que as conexões cessam.
Cacioppo também citou que a solidão não causa só depressão, “mas também colabora para o surgimento da doença de Alzheimer e males como aumento da pressão arterial e do cortisol” (hormônio liberado em resposta ao estresse). Em níveis normais, o cortisol ajuda a regular o humor, a pressão do sangue e até o açúcar nele, além de fortalecer a musculatura do coração, o sistema imunológico e a resistência à dor. Com o estresse, o desequilíbrio do cortisol faz com que a pessoa não queira cumprir compromissos nem interagir – e, em um círculo vicioso, a solidão causa estresse, que, por sua vez, causa mais solidão.
Segundo Cacioppo, em eras passadas, quem dormia sozinho estava mais vulnerável a ameaças, como predadores, e seu cérebro tendia a ficar mais alerta, o que levava a um sono muito leve e a pequenos despertares subconscientes. Essa reação cerebral se reproduz atualmente, apesar da segurança de não termos de dormir no mato ou em cavernas.
Outra conclusão do pesquisador da UC: quem se sente mais solitário também é levado a comportamentos prejudiciais à saúde, mas prazerosos momentaneamente, como consumir mais gordura e açúcar, beber, recorrer ao uso de drogas e fazer menos exercícios.
Como se tudo isso não bastasse, quem é solitário também fica mais suscetível ao medo e a ver o lado negativo de tudo e todos, inclusive em si mesmo, vê as pessoas como “ameaças sociais”, espera sempre o pior e se fecha ainda mais. Contudo Cacioppo não cai na tentação de só condenar a virtualização: “quem usa a web para gerar ou aprimorar relacionamentos presenciais também se beneficia”.